Monday, May 26, 2008

Aldeia Velha do Juriz - Sancti Vicencii de Gerez

vista sobre o carvalhal que esconde a aldeia

Foi numa pesquisa sobre Pitões das Júnias que soube da existência da Aldeia Velha do Juriz. A vontade de a procurar foi imediata, mas nem sempre as caminhadas por aquela zona me permitiram abandonar o percurso. Por duas vezes aventurei-me sozinho em rápidas incursões pelo carvalhal de Beredo. Por duas vezes não a encontrei, apesar das cartas militares identificarem um local como castelo. Na segunda tentativa ainda deslumbrei a cruz de pedra que os populares de Pitões me davam como referência, mas atrás chamavam-me para o trilho.

à lareira na Taverna Celta

Encontrei-a, finalmente, na tarde do último Sábado. O dia tinha amanhecido chuvoso e depois do pequeno-almoço ficámos na Taberna Celta à lareira. Lá fora, dia não estava para caminhadas e foi difícil abandonar o conforto do fogo. Em volta da lareira, tivemos ainda a sorte e oportunidade de trocar informações com um cliente habitual da taverna. Sobre o carvalhal havia um denso manto de nevoeiro que apenas a espaços abria. Pousadas numa mesa, umas cartas militares da zona permitiam-me recordar as caminhadas que já fiz por ali, mas essencialmente recordavam-me as por fazer e a aldeia por descobrir.


ruínas de uma casa de planta quadrangular

Após o almoço tardio o tempo parecia querer abrir e, após uma rápida visita ao pólo de Ecomuseu de Barroso, decidimos procurar a aldeia. O caminho começa perfeitamente marcado mas desaparece depois no meio da vegetação. Após algumas hesitações, fomos avançando e finalmente encontrámos a aldeia. Percebi então que tinha estado muito perto dela nas pesquisas anteriores. Numa delas teria estado a menos de 50 metros. Da aldeia pouco mais resta que alguns muros e vestígios de arruamentos. Só que a sua integração no carvalhal transmite uma certa magia ao local. Espero que o Ecomuseu a torne visitável e facilite a sua interpretação. É um património que merece ser valorizado e conhecido. Mesmo estando já em pleno PNPG não se compreenderá que fique escondido. Se, como diz o arqueólogo Luís Fontes, a aldeia é fundamental para conhecer a evolução do povoamento medieval do maciço geresiano devem ser criadas as condições que permitam a sua visitação.


vestígios da limpeza efectuada recentemente

Na zona mais elevada da aldeia encontrámos sinais de uma limpeza recente conforme nos tinham referido na aldeia. Como foi feita pelos bombeiros, julgo que terá sido feita como prevenção contra incêndios. No entanto pode ser também sinal que a sua visitação está mais próxima. O tempo chuvoso não nos deixou apreciar toda a beleza da aldeia, mas subimos ao alto dos blocos de granito que serão o chamado castelo. No alto encontramos a famosa cruz de pedra e umas inscrições. Não ficamos muito tempo, as nuvens sobre a capela de S. João anunciavam a chuva que rapidamente nos alcançou. Espero voltar lá com mais tempo e investigar outros caminhos.

pequena cruz de pedra no alto do castelo

entalhes na rocha da pequena atalaia (?)

Descrição arqueológica* : Povoado abandonado com arruamentos lajeados e vestígios de cerca de 40 casas, de planta geralmente quadrangular e paredes de blocos graníticos mais ou menos aparelhadas, muitas ainda com umbrais e soleiras das entradas. Poderá tratar-se da aldeia medieval de Sancti Vincencii de Gerez referida nas "Inquirições Afonsinas" de 1258, provavelmente abandonada no século XV, tempo de fomes, pestes e guerras. Nunca mais seria reocupada, podendo aceitar-se que tenha sido substituída pela aldeia de Pitões das Júnias. O lugar encontra-se actualmente coberto por um frondoso carvalhal espontâneo, com a vegetação a conferir às ruínas uma beleza pouco vulgar. No extremo setentrional do povoado, no topo de um pequeno outeiro coroado por caos de blocos graníticos, a que a população chama "castelo", identificam-se alguns rasgos que desenham uma planta quadrangular com cerca de 2 metros de lado, vestígios que poderão corresponder a uma pequena atalaia. Um pouco mais longe, cerca de 1,5 km para Sudeste, fica o mosteiro de Santa Maria das Júnias. Em termos arqueológicos conserva-se tudo em bom estado.

Interesse : Trata-se de um monumento de inegável significado histórico regional e excepcional valor científico e patrimonial, cujo estudo é fundamental para o conhecimento da evolução do povoamento medieval na vertente nascente do maciço geresiano. As ruínas desta aldeia abandonada enriquecem-se ainda com a paisagem envolvente, marcada por exuberante cobertura vegetal e relevos vigorosos. No Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi proposta a classificação do "Povoado de Juriz" como Monumento Nacional.

*fonte: Luis Fontes

PS: após publicação deste "post" tive a informação que o acesso mais tradicional à aldeia velha não seria pelo carvalhal. Esta nova informação confirma as minhas suspeitas, que não procurei esclarecer com receio de ser surpreendido por chuva forte. É mais uma coisa a investigar.

Wednesday, May 21, 2008


Há 36 anos, 21 de Maio de 1972, foi oficialmente inaugurada a Barragem de Vilarinho da Furna. Não sou contra o progresso, mas não consigo deixar de pensar que as águas da albufeira não submergiram apenas campos e casas. Submergiu também o "o testemunho de uma urbanidade tão dignamente conseguida" que o Torga via nas suas visitas a Vilarinho. Tenho algumas dúvidas que, caso não tivesse sido submersa pelo progresso, Vilarinho permanecesse fiel a si mesma. Essa é a maior ironia da albufeira, destruiu a aldeia mas criou o mito. Como um herói, Vilarinho da Furna descansa no panteão para a posteridade. E só um herói morto é que não nos atraiçoa.

Gerês, 6 de Agosto de 1968 — Derradeira visita à aldeia de Vilarinho da Furna, em vésperas de ser alagada, como tantas da região. Primeiro, o Estado, através dos Serviços Florestais, espoliou estes povos pastoris do espaço montanhês de que necessitavam para manter os rebanhos, de onde tiravam o melhor da alimentação — o leite, o queijo e a carne — e alicerçavam a economia — a lã, as crias e as peles; depois, o super-Estado, o capitalismo, transformou-lhes as várzeas de cultivo em albufeiras — ponto final das suas possibilidades de vida. E assim, progressivamente, foram riscados do mapa alguns dos últimos núcleos comunitários do país. Conhecê-los, era rememorar todo um caminho penoso de esforço gregário do bicho antropóide, desde que ergueu as mãos do chão e chegou a pessoa, os instintos agressivos transformados paulatinamente em boas maneiras de trato e colaboração. Talvez que o testemunho de uma urbanidade tão dignamente conseguida, com a correspondente cultura que ela implica, não interesse a uma época que prefere convívios de arregimentação embrutecida e produtiva, e dispõe de meios rápidos e eficientes para os conseguir, desde a lavagem do cérebro aos campos de concentração. Mas eu ainda sou pela ordem voluntária no ócio e no trabalho, por uma disciplina cívica consentida e prestante, a que os heréticos chamam democracia de rosto humano. De maneira que gostava de ir de vez em quando até Vilarinho presenciar a harmonia social em pleno funcionamento, sem polícias fardados ou à paisana. Dava-me contentamento ver a lei moral a pulsar quente e consciente nos corações, e a entreajuda espontânea a produzir os seus frutos. Regressava de lá com um pouco mais de esperança nos outros e em mim.

Do esfacelamento interior que vai sofrer aquela gente, desenraizada no mundo, com todas as amarras afectivas cortadas, sem mortos no cemitério para chorar e lajes afeiçoadas aos pés para caminhar, já nem falo. Quem me entenderia?
(Miguel Torga, Diário XI)

Friday, May 09, 2008

Boicote


Existem outras formas de condenar a violência no Tibete? Um boicote de cidadãos aos produtos chineses não seria mais eficaz?